=Conversas de Bar=

Assuntos despolarizados, desconexos, filosofias sem muito fundamento (ou com fundamentos, caso você tenha noção do que diz), minhas crônicas, crônicas de outros, poemas meus e de outros, desabafos, sugestões, crítícas, histórias de trem, do trólebus, do dia-a-dia ou puramente conversa de bar... Puxe uma cadeira e aprochegue-se!

terça-feira, abril 15, 2008

Carta póstuma de uma pré-suicida

Não me culpem. Não espero que entendam, já que me é confuso estruturar uma legenda, que fosse, de tudo o que se passa dentro de mim, no momento. Não! Quero dizer, tudo o que vem acontecendo, acumulando, contribuindo.
"Não sou nada. Nunca serei nada" disse o Pessoa, mas nada caberia tão bem agora.
Hoje, mais do que nunca, sinto a essência do que é estar abaixo do nada. Se nada eu fosse, já seria alguma coisa.
Turbilhões, ondas imensas me cobrem nesse mar agitado que me engole. Engole minha alma em doses cavalares. E, sem ter aonde apoiar meus pés, ou algo ao alcance de minhas mãos, me largo. Deixo a correnteza levar o que a vida (que vida?) esqueceu aqui.
Lá no âmago, no magma de mim, sinto o mais completo vazio. Por vezes eu tentei acreditar, acreditar... e quando isso, finalmente, me pareceu possível, sim, é possível! Me joguei de braços e abraços. Acreditei (ah, inocente!) que a sinceridade e a força que impele um sentimento fosse capaz de abraçar o mundo. E transformá-lo. Mesmo que fosse apenas o mundo de outrem...
Os contos de fadas, histórias de carochinhas e tudo mais despencam à minha frente.
Tudo o que tentei crer por toda a minha vida, nunca foi verdade. E o prazo de espera não é curto. Ou limitado. O prazo de espera é toda a minha vida. Como Janis.
Imagino que dos nomes mais sutis que serei denominada será covarde. Bem, de eu me considerasse incapaz de vencer, sim, seria a covarde. Mas no caso, aqui, não há luta, não há vida. Não há nada.
Olho para mim, olho ao meu redor e procuro meu lugar no mundo. Não há. O mundo é tão grande, ainda assim não há lugar aonde eu possa me encaixar. Não há quem possa abraçar. Não há o que eu possa fazer para me encontrar E encontrar... quem? Minha paz. Eu a havia encontrado, mas foi tirada do mesmo modo que veio: sem que eu esperasse. Por um pouco de tempo, por uns abraços eu soube o que é o pulsar da vida. A mesma vida que me impulsinou à coisas, descobertas, alegrias, planos. Mas como, mais uma vez o Pessoa, "basta eu amar uma coisa para ela morrer". Quisera eu que a força do meu sentimento fosse tão grande à ponto de atravessar paredes. De concreto e de carne. Quisera eu que a força do que sinto retumbasse no outro e voltasse em energia para mim. Energia que fizesse meu coração saltar e mostrasse que ainda é possível haver vida. Mesmo num coração, agora, inanimado.
Alguns, poucos, talvez saibam pelo inferno diário que passava minha mente e a dor que rasgava meu peito. Esses poucos, talvez, lembrem-se de mim com alguma ternura. Espero.
Meus pais, irmão, Laika... amo. De toda a forma que me foi possível. Ainda que esse amor nunca tenha sido tão direto e reto à ponto de que vocês sentissem-no na íntegra.
À todos, sem exceção, deixo aqui a marca de meu carinho e minha lembrança. Mesmo aos de perto quanto aos de longe. Os de hoje, os de ontem. Aqueles que vi e falei uma única vez. Aqueles que nunca falei, mas sempre levei comigo, à distância.
Amei. Muito. Todos de uma maneira diferente. Apenas um, da maneira mais intensa, profunda e sincera.
E agora, talvez a única vez em minha existência, eu faça uma única coisa certa: deixar de estar aqui.

Aline Gobeti