=Conversas de Bar=

Assuntos despolarizados, desconexos, filosofias sem muito fundamento (ou com fundamentos, caso você tenha noção do que diz), minhas crônicas, crônicas de outros, poemas meus e de outros, desabafos, sugestões, crítícas, histórias de trem, do trólebus, do dia-a-dia ou puramente conversa de bar... Puxe uma cadeira e aprochegue-se!

terça-feira, abril 21, 2009

Segundo Altar

"Não tenho nenhuma compaixão por Romeu e Julieta.
Eles não experimentaram nenhuma crise de relacionamento antes do fim. Nenhuma discussão no trânsito. Uma briguinha para quem iria se levantar para chavear a porta.
Não reclamaram dos excessos, da bagunça do quarto ou por voltar tarde e não ser delicado entre amigos. Não provaram do veneno dos costumes, do terror de se entregar demais e perder a cabeça, ou do pudor de se entregar de menos e se afastar.
Conheceram o ímpeto do amor, não o amor. Não descobriram a medida, o equilíbrio exato de dois corpos, que demora anos de convivência para aparecer.
Para mim, Romeu e Julieta continua sendo apenas um bom charuto. Mas estrago meu rímel natural com casais que morrem juntos na velhice. Esfolo os joelhos do rosto. Sangro os lábios.
Depois de meio século de vida em comum, um não sobrevive à morte de sua companhia. Desistem. Perdem o sentido de respirar com o enterro da esposa ou do marido. Ficam emparedados pelo passado. A cozinha não terá saída; o quarto não terá lado; a sala não terá janela; a manhã não terá a companhia do café e da leiteira fervendo.
A casa que mais adorava em minha rua José Bonifácio terminou destruída. Residência antiga de dois andares, verde como um pinheiro no alto da montanha, desfrutando inclusive de água-furtada. É agora um poço de ruínas, paredes fatiadas, escombros e uma estranha mesinha para aves descansarem da fartura dos farelos. Não duvido que seja transformada em mais um estacionamento.
Meu filho passa pelo terreno minado com o olhar arrastado, antes recebia balas e brincadeiras de seus moradores Sady e Heidi, que cuidavam com capricho do jardim, dispondo anões e bichos de pedra pelas roseiras.
Os dois viveram sessenta anos de casamento. Quando Heidi faleceu neste ano, Sady não durou cinco dias. Seu espírito altivo, lépido e incansável, de quem se acordava às 6h e saracoteava pela cidade, apagou-se repentinamente. A carne cedeu, o rosto murchou, ele adoeceu de ausência. Ambos cumpriram um pacto de vida mais do que de morte. Não admitiram a distância dos sete dias da missa - era muito longe. Não admitiram o aparte de uma semana - era muito tempo. Embarcaram no invisível de ombros dados. Heidi nem entrou no paraíso, esperou na porta seu marido, como se fosse um segundo altar.
O mesmo posso falar de Stella e Dorival Caymmi. Stela deixou a cena 11 dias após a despedida de Dorival. Foram casados durante 68 anos. Dorival morreu porque Stella baixou o hospital em estado grave. Stella morreu quando soube (pela intuição que só os pares de dança têm) que Dorival guardou sua voz no estojo. Um dependia do outro. Não aceitaram a viuvez. A viuvez era também uma infidelidade. Uma traição ao casamento. Mostraram a Deus que não é ele que manda aqui, ajuda ou atrapalha, não manda. O livre-arbítrio é da lealdade.
Escolher a hora de pôr a aliança, e escolher a hora de se pôr na aliança. "

(Fabrício Carpinejar)

O amor no colo

"A dor não pede compreensão, pede respeito. Não abandonar a cadeira, ficar sentado na posição em que ela é mais aguda.
Vejo homens que não têm coragem de terminar o relacionamento. Que não esclarecem que acabou. Que deixam que os outros entendam o que desejam entender. Que preferem fugir do barraco e do abraço esmurrado. Saem de mansinho, explicando que é melhor assim: não falar nada, não explicar, acontece com todo mundo.
Encostam a porta de sua casa (não trancam) e partem para outra vida.
Não é melhor assim. Não tem como abafar os ruídos do choro. O corpo não é um travesseiro. Seca com os soluços.
Não é melhor assim. Haverá gritos, disputa, danos. É como beber um remédio, sem empurrar a colher para longe ou moldar cara feia. É engolir o gosto ruim da boca, agüentar o desgosto da falta do beijo.
Será idiota recitar Vinicius de Moraes: "que seja infinito enquanto dure". A despedida não é lugar para poesia.
Haverá uma estranha compaixão pelo passado, a língua recolhendo as lágrimas, o rosto pelo avesso. Haverá sua mulher batendo em seu peito, perguntando: "Por que fez isso comigo?"
Haverá a indignação como última esperança.
Haverá a hesitação entre consolar e brigar, entre devolver o corte e amparar.
Vejo homens que somente encontram força para seduzir uma mulher, não para se distanciar dela.
Para iniciar uma história, não têm medo, não têm receio de falar.
Para encerrar, são evasivos, oblíquos, falsos. Mandam mensageiros.
Não recolhem seus pertences na hora. Voltarão um novo dia para buscar suas coisas.
Não toleram resolver o desespero e datar as lembranças. Guardam a risada histérica para o domingo longe dali.
Mas estar ali é o que o homem precisa. Não virar as costas. Fechar uma história é manter a dignidade de um rosto levantado, ouvindo o que não se quer escutar. Espantado com o que se tornou para aquela mulher que amava. Porque aquilo que ela diz também é verdade. Mesmo que seja desonesto.
Desgraçadamente, há mais desertores do que homens no mundo.
Deveriam olhar fora de si. Observar, por exemplo, a dor de uma mãe que perde seu filho no parto.
O médico colocará o filho morto no colo materno. É cruel e - ao mesmo tempo - necessário. Para que compreenda que ele morreu. Para que ela o veja e desista de procurá-lo. Para que ela perceba que os nove meses não foram invenção, que a gestação não foi loucura. Que o pequeno realmente existiu, que as contrações realmente existiram, que ela tentou trazê-lo à tona. Que possa se afastar da promessa de uma vida, imaginar seu cheiro e batizar seu rosto por um instante.
Descobrir a insuportável e delicada memória que teve um fim, não um final feliz. Ainda que a dor arrebente, ainda é melhor assim."

(Fabrício Carpinejar)

sexta-feira, abril 10, 2009

Signo de Câncer

"Espírito crítico, muito aguçado.
Emotiva, sensível, perceptiva.
Casca grossa pelo lado de fora e uma parte mole pelo lado de dentro. Portanto, nos primeiros contatos não se consegue ter muita intimidade com elas. São pessoas que falam pouco do seu íntimo. E é muito difícil se ter acesso à intimidade. Por isso buscam a arte, o canto, a poesia, a pintura, outras formas de expressão e comunicação para poderem traduzir esse sentimento interno que têm. A palavra já é uma coisa difícil para eles.
Signo de água, de grande emotividade, sensibilidade, fantasia, imaginação e uma certa rigidez. Nos primeiros contatos são muito formais, mas você sente que elas estão captando tudo, filmando, sentindo. Essa é sua dificuldade; dão a impressão de não estarem interessados e, na verdade, estão embebidos. Por dentro têm uma ótica hemisférica que engloba tudo, mas se colocam numa posição de defesa até sentir que podem confiar em você. Depois que sente isso é uma mistura, um envolvimento muito grande e forte, onde às vezes não tem nem capacidade de discernir o que claramente é dele e o que é do outro. Para conseguir fazer isso, às vezes é preciso conquistar na base da porrada, da explosão. Embora seja de natureza pacífica, contemplativos, têm momentos de explosão. É a maneira que têm de retornar ao seu centro, de se desintoxicar dessa mistura que eles criam nas relações com os outros.
Outra característica: é o acúmulo de coisas que não são colocadas, não são ditas. De repente, tem a famosa gota d´água.
Precisa constantemente de um reconhecimento dos outros e de uma afirmação sobre si mesmos sobre os outros. No momento em que percebe suas limitações, cai em processos profundos de depressão. Às vezes tentam fugir, porque sabem o quão profundo podem ir.
De uma natureza paradoxal, não dá para se esperar linearidade de pensamento por parte deles. São totalmente instáveis e imprevisíveis. Porém, são extremamente férteis e ricos, abrem horizontes e te mostram coisas que você jamais imaginava ver.
Têm um talento especial para apertar no ponto fraco das pessoas."



(Foi a melhor descrição que já li)

"Ouço as pessoas falarem: ´No meu tempo...´ Ora, só se conta o tempo na juventude? Essa pequeno cacoete de linguagem mostra que a gente só se vê inteiro quando é moço."

(Lya Luft)

"Fica assim..."

"Fica assim, então,
o dito pelo não dito; o feito pelo não feito.
Eu não preciso saber como seriase houvesse sido
E você não acrescenta essa preocupação
no seu currículo.
Os dias voltam ao normal
como quando era, antes de
eu te fazer mal.
Meus dias voltam à correr
diferentemente da lentidão presente
de quando eu esperava o tempo passar para te ver.
Fica assim, então;
Eu converso com meu coração,
explico que você precisou ir
pra resolver uns negócios,
e você volta ao seu quinhão,
sai pra fazer a feira
e vive de sua maneira, pois não!

Fica assim, então;
Onde eu volto pro meu quarto vazio
e me encontro com minha solidão
Mas, ao menos,você não precisa mais, com esse meu peso,
conviver.

Fica assim;
bola pra frente.
Você com seus projetos, planos futuros
e eu, sem maiores projetos que
apenas se projetam, sobre mim, no escuro.

Fica assim, então.
Saio à procura de planos que não tenham você induído.
E descubro que tudo foi tomado,
à mim nada restou
que você não tenha ocupado.
Filhos,
casa,
emprego...
Nem em meus maiores delírios tive tamanho choque;
porque todo e qualquer recanto
dessa vida obscura
já foi tateada com seu toque.

Fica assim, então.
Você segue bem, sem mim,
e eu não te falo o que vai pelo meu coração."

(Aline Gobeti)