=Conversas de Bar=

Assuntos despolarizados, desconexos, filosofias sem muito fundamento (ou com fundamentos, caso você tenha noção do que diz), minhas crônicas, crônicas de outros, poemas meus e de outros, desabafos, sugestões, crítícas, histórias de trem, do trólebus, do dia-a-dia ou puramente conversa de bar... Puxe uma cadeira e aprochegue-se!

terça-feira, setembro 29, 2009

"Uma vontade imensa de não ser mais...
Ah, quem me dera coragem para acabar de ser.
Nunca mais ouvir. Nem ler.
Coragem para desligar de uma vez o que tanto me custa manter ligado.
Ah... se o coração da gente tivesse botão de on/off, tudo seria tão mais fácil...
Se eu pudesse partir sem lembrar, sem querer...
Se eu não tivesse dentro de mim uma bomba me lembrando à cada segundo com seu tic-tac macabro o que eu precisaria esquecer...
Se esquecer fosse tão fácil quanto risco de lápis que a gente apaga com borracha...
Se deixar de sentir tudo, com perfeição, com cheiro, com som, com toque, fosse fácil assim...
Ah, se eu conseguisse nunca, nunca mais lembrar...
Lembranças tão fortes que doem e sangram, doem e sangram...
Melhor seria, talvez, ter vivido na ignorância, sem saber que podia sentir tudo aquilo...
Talvez melhor seria do que hoje continuar sentindo TUDO sem tê-lo aqui, pra sentir comigo...
De tantas dores já sentidas, eis a que me sangra sem parar, dia a dia, dia a dia...

Desligando...
Aos poucos vou me desligando...
Tomada por tomada, fio, por fio...
Desatando o nós, quebrando barreiras, distanciando...
Aos poucos vou me desligando daqui, de onde nunca desejei estar, aonde nunca esteve meu coração, embora eu o tenha dado por inteiro...
Aos poucos vou deixando pra trás e deixando de olhar para trás...
Por mais que me custe e ainda que eu veja, não conto pra ninguém...
Deixando tudo o que eu construí, tudo o que me construiu,tudo o que eu amei, tudo o que me feriu,tudo que eu sofri, tudo que eu aprendi...
Aos poucos, deixando tudo aqui.
Se algo sobrar, entregue à quem desejar.
Se servir, vista, ouça, lembre, me veja.
Se à ninguém convir, que fique no esquecimento. O tempo se encarrega de, talvez, apagar.
Tudo que pensei, que pensei que fui, senti, criei, vi, passei...
Vou deixando...
Logo, logo, muito breve, tudo acaba e eu já terei deixado.
Quem sabe no ar, na areia, no tronco duma árvore. Mas creio que jamais num peito arranhado.
Aos poucos, eu já terei abandonado.
Quem sabe na chuva, na rua, no esconderijo. O que ninguém nunca enxergou e que já não me serve mais.
Aos poucos.
Logo, muito breve.
Aos poucos os passos vão se esparsando.
O caminho se estreitando.
Os minutos se acabando.
Aos poucos, de repente, e tudo acaba ali.
Tudo.
O que vi, o que senti, o que vivi.
De repente, virei a mesa, bradei alto minha liberdade.
Ninguém me segue, ninguém me vê, ninguém me ouve.
Ao poucos.
E de repente.
Aos poucos, lentamente, passo a passo mais longe daqui
Mais perto de lá.
Quem sabe, de mim."

(Aline Gobeti)